
A imagem da lona borrifada com o sangue que escorria da testa de um abatido Chuck Liddell contrastava com os gritos de alegria de Maurício "Shogun" Rua. O combate antológico entre os ex-campeões do Ultimate Fighting Championship (UFC) e do Pride F.C deu um novo rumo à carreira de Shogun. E talvez tenha posto um ponto final na de Chuck Liddell. "Eu sabia que essa luta era a mais difícil e importante da minha carreira. Tinha muita pressão rolando, mas isso para mim serviu como uma motivação", - revelou Shogun de volta ao Brasil numa entrevista exclusiva à coluna. Bastaram pouco mais de quatro minutos para Shogun nocautear Liddell na última edição do UFC. Um soco de esquerda, jogado meio que a esmo, mas com destino certeiro, sacudiu a cabeça de Liddell e levou ao delírio os fãs apinhados na arena do UFC 97. "Eu já esperava nocauteá-lo". "Somos dois lutadores que buscam o nocaute, alguém tinha que cair", - explicou o especialista em muay thai. O nocaute calou os críticos (e não eram poucos) que cobravam de Shogun uma atuação no UFC digna dos tempos em que ele era o campeão do Pride. Dana White, presidente do UFC, dava sinais claros de que o contrato de Shogun estava na berlinda caso ele não se apresentasse bem. E anunciou que seria o fim do contrato de Liddell se o americano fosse derrotado. Com a vitória arrasadora diante de Liddell, o curitibano que conseguiu ser graduado faixa-preta de jiu-jitsu com apenas quatro anos de treino entra agora na trilha pela busca do cinturão do UFC. Sua próxima luta poderá ser contra o ex-campeão dos meio-pesados Quinton "Rampage" Jackson. Ou, se atenderem ao seu desejo, contra outro ex-campeão da categoria, o algoz de sua estréia no UFC, Forrest Griffin. "Com certeza ele (o Rampage) tem muita chance de ser meu próximo adversário". "Eu não escolho oponentes. Mas seria ótimo lutar com o Forrest", contou o atleta. Na entrevista, Shogun relembra de alguns momentos do Pride (falecido evento japonês), como o nocaute sobre o rival Ricardo Arona. E também dá a versão dele sobre o suposto acerto com Wanderley Silva caso se enfrentassem na final do Grand Pix do Pride (torneio de mais de uma luta na mesma noite). "Ninguém ia entregar a vitória. Se fosse para entregar, eu saberia. Eu dou minha palavra que nunca soube disso." Shogun conta ainda quem são seus ídolos no MMA. Enumera os maiores adversários da sua categoria no UFC. Diz quem foi seu maior rival nos ringues. Dá palpites para as próximas lutas do Lyoto Machida e do Anderson Silva. E fala sobre a sua academia de origem, a Chute Boxe. Segue a entrevista: Ficou surpreso por ter nocauteado o Liddell em menos de cinco minutos? Eu sempre me via vitorioso na luta contra o Liddell. A gente que treina o dia inteiro espera o combate de qualquer maneira e sempre está preparado para tudo. O Liddell é um cara bom, que tem uma boa trocação (socos e chutes). Mas eu já esperava nocauteá-lo. Eu treinei para um combate de três rounds. Mas imaginava que a luta seria assim mesmo. Nós dois temos um jogo de partir para a trocação. Tinha que acabar em nocaute, só não sabia em qual round. Se fosse uma luta contra um cara do jiu-jitsu ficaria mais difícil de prever. Mas como somos dois lutadores que buscam o nocaute, alguém tinha que cair. O UFC já estuda quem será seu próximo adversário? Não, na verdade não tem ainda nada certo. Conversei com meu empresário sobre a minha renovação de contrato com o UFC e devo lutar daqui a cinco meses. É o que quero e pedi isso para o Eduardo Alonso (empresário do Shogun). Ele vai negociar com o pessoal do UFC. Quinton "Rampage" Jackson disse num programa do UFC que sonha em fazer uma revanche contigo. O que você acha? Lutaria amarradão contra ele de novo. Com certeza ele tem muita chance de ser meu próximo adversário. Sei que o pessoal do UFC quer casar essa luta. Interessa muito a eles. Pensa numa revanche com o Forrest Griffin, ele está no topo da lista de adversários do UFC que você deseja enfrentar? Com certeza. Os caras (jornalistas) me perguntaram quem eu queria lutar depois de vencer o Liddell. Eu disse que lutaria contra qualquer um, que não escolho adversários. Mas seria ótimo lutar com o Forrest. Eu ficaria muito feliz se vencesse o Forrest já que ele é um dos tops (melhores) da categoria. Ele venceu o Quinton Jackson, que era o campeão. Se eu ganhar dele sei que vou passar a ser considerado um dos tops nos Estados Unidos. De zero a 100%, qual a chance de perder para o Forrest numa eventual revanche? Diria que de 50%. O Quinton tem um bom jogo e nos dois teríamos chances. (Shogun havia confundido a pergunta e achado que se tratava de uma revanche com o Quinton). Shogun, to me referindo a uma revanche com Forrest Griffin, e não com o Quinton Jackson. Qual chance de perder para o Forrest? Ah, bom eu diria 60% de chance deu ganhar e 40% pra ele. Ele treina duro. Mas eu confio no meu jogo e sempre vou acreditar mais em mim. Sei do meu potencial. Se não pensar assim não vale a pena lutar. Mas você tinha entendido errado a pergunta e falado que contra o Quinton a chance de vitória seria de meio a meio. Quinton é um adversário mais duro do que o Forrest? Os dois são duros. Contra o Quinton eu diria que minhas chances são as mesmas que teria contra o Forrest. 60% pra mim e 40% para o Quinton (risos). Você acha que o favoritismo na luta contra o Forrest atrapalhou seu desempenho? Eu luto melhor quando meu adversário é o favorito. Eu preciso aprender a lutar bem quando eu sou o favorito. Com o Forrest e o Coleman eu era o favorito e lutei mal. Contra o Liddell, aproveitei o favoritismo dele para buscar nisso um incentivo a mais na busca pela vitória e ganhei. Se vencer o Forrest só faltará o Renato "Babalu" Sobral para vingar todas as suas derrotas. Pensa em enfrentá-lo de novo, apesar de ser pouco provável que isso ocorra? Na verdade nunca pensei. O Babalu ta há muito tempo no MMA. É um cara muito bom que eu respeito muito. Mas se eu lutasse com ele de novo com certeza a história seria diferente. Aquela época eu tava começando, tinha 22 anos. Era minha quinta luta. Evolui muito e sei que hoje o resultado seria outro. Você sentia que seu contrato com o UFC estava em risco se perdesse ou fizesse uma luta morna contra o Liddell? Com certeza eu sabia que essa luta era a mais difícil e importante da minha carreira. Tinha muita pressão rolando, mas isso para mim serviu como uma motivação a mais. A gente só erra quando tem medo de errar, quando não tem medo não erra. Entrei despreocupado, sem medo e motivado pela pressão. Queria provar o que eu era capaz de fazer. O Liddell prometeu em várias entrevistas que iria trucidar contigo, mas não aguentou nem um round. O que achou das declarações dele? Quem tem boca fala o que quer. A gente tem que cuidar com o que a gente fala e não com o que a gente ouve. O que o coração sente a gente não fala. A gente tem que tomar cuidado com nossas palavras. Ele falou demais e entrou com o compromisso de provar o que tinha falado. Eu não gosto de carregar para a luta essa pressão de falar as coisas e depois ter que cumprir com o que disse Dana White quer aposentar o Liddell. Você, que o enfrentou, acha que a idade está pesando contra ele? Se for analisar, os tops no mundo todo estão na faixa etária do Liddell. Eu acho que ele tava bem na nossa luta e acertou bons socos. Ainda bem que eu tava com a guarda alta e me protegi. Me defendi dos socos e acertei alguns golpes. Mas ele tava bem. Fisicamente estava em uma de suas melhores fases. Lembra que ele falava sobre a alimentação saudável dele? Ele ta em forma.
Qual a importância de Sergio Cunha na preparação para a luta contra o Liddell? Na verdade ele foi uma espécie de coordenador geral da minha preparação para a luta. Ele organizava meus treinos de MMA e me motivava a treinar. Foi um professor de MMA, meu grande mestre, meu amigo. Depois de sua luta contra o Coleman você se abateu com as criticas de parte dos jornalistas e dos fãs? Fiquei chateado com o meu desempenho e não com as criticas. Tinham criticas que eram fortes e ai não gostei (risos), mas eu sabia do meu potencial e que só dependia de mim para voltar a me apresentar bem. Vamos ver o Shogun com o cinturão do UFC como vimos no Pride? Espero que isso aconteça o mais breve possível (risos). Meu grande sonho é o cinturão do UFC. Mas não penso nisso. Sempre penso em vencer a próxima luta. Sei que se vencer meu próximo adversário, uma hora serei o campeão. Mas numa categoria tão foda, como é a do meio-pesado no UFC, é até um pecado pensar em cinturão.
Prefere lutar no octógono ou no ringue?Um ano atrás no ringue. Hoje, no octógono. Não sei se estaria preparado hoje para lutar no ringue. Todo meu treinamento é dedicado ao espaço que existe no octógono. UFC ou Pride? Na verdade são dois eventos bastante diferentes. O UFC lembra mais os torneios de MMA do Brasil. A gritaria e a pressão da torcida é forte. No Japão eles ficam tão calados que só dá para ouvir sussurros. Já lutei no Japão e nos Estados Unidos e gosto dos dois. Quem são os cinco melhores lutadores da categoria meio-pesado do UFC? Lyoto Machida, Rashad Evans, Quinton Jackson, Forrest Griffin e Wanderley Silva. Nessa ordem? Não, sem ordem, todos são tops. E você, não está entre os cinco? Olha, (risos) eu não sei. Sei que esse negócio de ranking é importante e durante muitos anos eu era considerado um dos melhores, mesmo quando fiquei um ano sem lutar. Mas hoje eu não quero me colocar no ranking. Passo essa pergunta (risos). Wanderley baixou de peso e no futuro poderá enfrentar o Anderson. Os dois eram seus companheiros de treino. Em um eventual confronto entre eles quem levaria a melhor? Eu acho que o Dana White vai oficializar a categoria até 88kg no UFC. No boxe tem muitas categorias e o UFC tem menos categorias. Como o MMA ta cada vez mais sensacional e maior, acho que vão criar mais essa categoria. Não é à toa que a próxima luta do Wanderley (contra Rich Franklin) será na categoria até 88kg. Acho que o Dana vai deixar o Wand ai. Mesmo que o UFC crie uma nova categoria o Anderson poderá facilmente subir de peso para enfrentar o Wanderley. Se isso acontecer, quem ganha? Assim você quer me complicar (risos). Os dois são muito amigos meus. Eu tenho mais afinidade com o Wanderley, com que passei mais tempo treinando. Mas não quero me meter na confusão dos outros. Vou ficar te devendo essa resposta. Não quero ficar na corda bamba. Relembrando um pouco o Pride, teve um sabor a mais bater o Ricardo Arona num momento em que a rivalidade entre a Chute Boxe e a BTT (Brazilian Top Team) estava no auge? Na verdade não é um sabor a mais, é uma motivação a mais. Ele tinha batido o Wanderley. Não é fácil ver seu ídolo perder. Mas isso me serviu como incentivo para ir lá e vencer. Tinha uma pressão da academia. Eu não podia perder e deixar a galera na mão. Tinha entrado no GP (torneio do Pride) como uma grande zebra. Então foda-se, entrei sem medo de perder. Na época eu gostava de falar que a BTT era minha maior motivação (risos). É verdade que se a final o GP do Pride fosse decidida entre você e o Wanderley você iria entregar a luta? Não, de jeito nenhum. Eu conversei com o Rudimar Fedrigo (líder da Chute Boxe) e não tinha isso. A gente ia lutar. Mas em momento nenhum eu estava pensando no Arona, no Wanderley ou na final do GP. Tava concentrado apenas na minha luta contra o Overeem (Alistar Overeem). Até porque se eu ficasse pensando nisso perderia para o Overeem.
Mas foi o Wandeley que falou depois do GP que você ia entregar a vitória para ele. É, não sei por que o Wandeco falou isso (risos). Mas se fosse para armar alguma coisa eu ia ter ficado sabendo. E eu nunca soube disso. Nós dois somos profissionais e teríamos que lutar. Ninguém ia entregar a vitória. Se fosse para entregar, eu saberia. Eu dou minha palavra que nunca soube disso. O que está acontecendo com seu irmão, o Murilo Ninja, que anda se apresentando mal? Acho que ele ta cansado. Há 12 anos ele treina forte e está na hora de parar um pouco, por uns seis meses, talvez. Precisa dar um tempo e depois ver se volta em um grande evento. Lyoto ou Rashad, quem ganha a disputa pelo cinturão da sua categoria no UFC? Vou de Lyoto. O Rashad é muito estrategista, assim como o Lyoto. Mas é difícil se preparar para lutar contra o Lyoto. É difícil arrumar sparrings que tenham um jogo parecido com o do Lyoto. Ele deve vencer por pontos. Anderson Silva e Forrest Griffin lutarão em breve. Você conhece bem os dois. Como analisa esse combate? Acho que dá Anderson. Com certeza dá ele. Acho que ele está bem preparado e o Griffin vai entrar no jogo dele. Vai partir para a trocação. O Anderson vai esperar para bater no contragolpe. Mas o Griffin é um cara forte que aguenta porrada. O Griffin costuma pesar 103kg. Será uma luta dura que deverá ser decidida por pontos. Mas dá Anderson. Farei perguntas estilo bate pronto. Responda o que vier na cabeça, sem se aprofundar nas respostas. Ídolo no MMA? Meu irmão (Murilo Ninja) e Wanderley Silva. Maior vitória de sua vida? Contra o Arona. Putz, não, contra o Liddell. É, com certeza, o Liddell. Maior rival enfrentado em sua carreira? Nunca tive nenhum rival. Deixa eu pensar... Mark Coleman, na segunda luta contra ele. O que significou a Chute Boxe? Significou uma academia que me ensinou tudo que eu sei e pela qual tenho muito respeito e admiração. Pior momento de sua carreira? Em 2007, depois da segunda cirurgia no joelho.
Wanderley Silva: Um grande amigo e eu sou um grande fã dele. Rudimar Fedrigo (fundador da Chute Boxe): Um bom líder, uma pessoa que devo respeito, um grande e mestre, mas acho que não acompanhou a evolução do MMA. Rafael Cordeiro (um dos pais da Chute Boxe): Um grande professor. Dana White?
O cara que levantou o MMA, que revolucionou esse esporte. A quem você credita sua vitória sobre Liddell? Queria agradecer a todos que me ajudaram. Ao professor de boxe Lucas França, meu professor de muay thai Fernando Fefê, à equipe do Damien Maia, ao professor de wrestler Renato Roma, meu preparador físico Eric, ao André e em especial ao Eduardo Alonso, Tuba, Cunha e ao meu irmão.
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